quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Legalidade versus moralidade, ou mais um exemplo de como a desvergonha e a impunidade ajudam a explicar “o estado a que chegámos”…

O recente “caso Miguel Macedo” apresenta-se em dois planos: legal e ético.
Do ponto de vista legal, não restam dúvidas de que ele pode receber o subsídio de deslocação, apesar de ter casa em Lisboa.
Do ponto de vista ético, também não restam dúvidas de que não pode.
Alguns comentadores alegam a imoralidade da “coisa”, devido à situação financeira do País. Ora, como se diz na minha terra, “não tem nada que ver o cu com as calças”. Isso, quando muito, poderá ser um factor agravante. Porque a ética e a moral situam-se num plano distinto das questões financeiras, devendo verificar-se em todas as ocasiões, mesmo em tempos de "vagas gordas".
Aliás, se os comportamentos das pessoas privilegiassem sempre a ética, nem seriam precisas leis, que todos nós sabemos quem as faz (não o Parlamento e o Governo, mas sim os advogados dos grandes escritórios, que ganham milhões nos seus negócios com o Estado) e com que objectivos (criar buracos que depois permitam a esses mesmos advogados ajudar os seus clientes a fugir à aplicação dessas mesmas leis).
Um parecer(1) do Conselho Consultivo da PGR relativamente a esta questão é disso exemplo flagrante e escandaloso, ao mostrar como é possível deturpar legalmente o espírito de uma lei, quando afirma que ter “casa própria” na capital não é impeditivo de receber o subsídio previsto no DL 72/80(2).
Analisemos então o DL 72/80.
Primeira questão: como é que o facto de um político ter casa própria em Lisboa pode não ser impedimento ao recebimento do subsídio? O DL 72/80 diz expressamente que tem como objectivo uma “compensação monetária” aos governantes “que habitem a considerável distância da capital” pelos encargos que resultam da sua “fixação em Lisboa”! Quem tem casa não tem esses encargos, certo? Então para quê a compensação?
Segunda questão: este diploma fala ainda da “rarefacção de habitações passíveis de arrendamento”, à época, na área da grande Lisboa, para justificar a concessão do subsídio. Essa dificuldade de arrendar casa em Lisboa ainda se mantém, como há 31 anos?
Terceira questão: como é que o que conta para justificar este subsídio é o conceito “habitação permanente” e que raio de conceito é este? O Miguel Macedo(3) tornou-se deputado em 1987, com 28 anos. Esta tem sido a sua principal actividade ao longo dos últimos 24 anos. Quando não foi deputado, foi governante (secretário de estado três vezes e agora ministro). Exerce ainda a profissão de advogado, presume-se que com escritório aberto em Lisboa. Se o homem vive e trabalha em Lisboa desde (provavelmente) o início da sua carreira profissional, tendo certamente família a viver também na capital, como é que é possível alegar que a sua “habitação permanente” é em Braga e assim receber o subsequente subsidiozito?
Compare-se a situação destes políticos com os muitos milhares de pessoas que, sendo de fora de Lisboa (ou de qualquer outra terra), para lá foram viver por razões profissionais. É do mais elementar: as pessoas vão viver para as terras onde têm trabalho, fixando aí residência. Ou, se fazem questão de ir dormir à terra de origem, por mais distante que seja, o problema é delas. Não se pode é imputar essa despesa ao erário público.
Até porque o referido parecer do Conselho Consultivo da PGR diz que as “funções governativas […] por natureza são temporárias em sociedades democráticas”. Isso significa que, terminadas essas funções, as pessoas voltam à sua vida normal, regressando às terras de origem. Nesses casos, sim, fará sentido a compensação. Mas nunca no caso de políticos profissionais. Estes vivem de facto na capital, mantendo apenas por oportunismo a oficial “habitação permanente” nas terras de origem para poderem receber o subsídio.
Conclusão: no mínimo, a lei deveria estabelecer um prazo máximo para a concessão do subsídio aos políticos, por exemplo uma legislatura. Depois, ou regressavam à terrinha ou arranjavam casa em Lisboa, como tem que fazer qualquer pessoa normal.

PS - Dirá o Miguel Macedo: "E sou só eu? Cadê os outros?"

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(1) Parecer do Conselho Consultivo da PGR:
http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/44e56bc022e797088025661700416f2c?OpenDocument&ExpandSection=-1

(2) O DL 72/80 é dedicado aos governantes e respectivos chefes de gabinete. Mais tarde Cavaco Silva e Miguel Cadilhe, pelo DL 303/86, tornaram extensivo este regime aos directores-gerais, secretários-gerais e outros cargos expressamente equiparados da Administração Pública. Os deputados já usufruíam deste benefício desde 1976 (Lei 5/76) e os governadores civis desde 1979 (DL 67/79)…
http://dre.pt/sug/1s/diplomas-lista.asp

(3) Miguel Macedo é deputado desde a V legislatura (1987), quando tinha 28 anos, mantendo no entanto a residência oficial em Braga e recebendo, em consequência, desde essa época a compensação prevista na legislação, ora por ser deputado, ora por ser governante.
http://www.parlamento.pt/DeputadoGP/Paginas/Biografia.aspx?BID=123

Blog que fala sobre o caso de Miguel Macedo:
http://cidadelusa.blogspot.com/2011/10/polemica-do-subsidio-de-alojamento-i.html

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