É sobejamente reconhecido que os portugueses gostam muito de dizer mal de tudo e de todos, mas não de assumir as suas próprias responsabilidades.
Também os jornalistas e os comentadores, que se mostraram indignados por o Sócrates não ter ontem admitido a sua responsabilidade na actual situação do País, não têm por hábito fazê-lo, pelo menos publicamente. Pelo contrário, são até muito senhores do seu nariz e dizem uma coisa e o seu contrário, em diferentes ocasiões, com a maior das tranquilidades, porque o que interessa não é a coerência, mas sim o comentário "no momento".
Dos políticos, em geral, nem vale a pena falar. Prometem muito antes das eleições e fazem depois o que querem ou o que acham que devem. E porque mentem eles? Porque "se dissessem a verdade, não eram eleitos". Ou seja, não interessa se um político é um grandessíssimo aldrabão, porque isso faz parte do "show". O povo gosta de espectáculo, gosta de ouvir coisas agradáveis, gosta, em resumo, de ser enganado.
Ontem o Sócrates, como português que é, lá atirou as culpas do resgate para cima de toda a gente, nomeadamente do Cavaco, do PSD, dos bancos, dos jornalistas... e apenas assumiu como erro próprio ter aceitado formar um governo minoritário em 2009. O resto foram erros de pormenor, porque "ninguém é perfeito e só não comete erros quem nada faz".
Mas o Cavaco é igual, ou pior, porque é político profissional – apesar de não o admitir, pensando que somos todos parvos... – há muito mais tempo e, que me lembre, nunca assumiu ter cometido um único erro na sua vida. É aliás célebre a sua frase: "nunca tenho dúvidas e raramente me engano", entre outras pérolas que ficaram para a (pequena) história da nossa democracia.
Voltando aos portugueses, reafirmo que nós também somos assim. E não deveríamos ser, na medida em que a primeira coisa a fazer para emendar um determinado procedimento incorrecto, seja ele qual for, é admiti-lo. A maioria de nós votou no Sócrates e no Cavaco, porque só assim é que eles poderiam ter sido eleitos por mais do que uma vez, como foram. Adorámos a "obra feita" por eles, enquanto havia dinheiro. Como adorámos a dos autarcas e dos presidentes das ilhas, por menos utilidade que essa obra tivesse e por mais dívidas que acarretasse.
Mas agora, que estamos finalmente confrontados com o erro colossal que foi este modelo de "desenvolvimento" baseado no betão e no alcatrão – assim como na destruição das nossas pescas, indústria e agricultura, por mais insípidas que estas fossem –, atiramos a responsabilidade para cima dos políticos que o executaram e tentamos enganar-nos a nós próprios, como se nada tivéssemos que ver com o assunto.
É muito fácil insultar o Sócrates (principalmente se ele estiver em Paris) e o Cavaco, que, enclausurado em Belém, a gozar as delícias de uma pré-reforma dourada, raramente reage.
Mais difícil, mas mais correcto, seria se todos nós, enquanto povo, assumíssemos as nossas responsabilidades colectivas, por termos sucessivamente caucionado estes políticos e estas políticas, e as nossas responsabilidades individuais, por termos querido acreditar que a Europa tinha feito de nós uns novos-ricos – apesar de não produzirmos riqueza para termos esse estatuto –, e por nos termos endividado tanto.
Enquanto assim continuarmos, estaremos mais longe de ultrapassar a crise e mais sujeitos a ter uma recaída quando esta finalmente passar.