terça-feira, 6 de maio de 2014

(Des)humanidades...

Vejo na televisão:
«Tribunal do Trabalho de Coimbra sem acessos para cidadãos portadores de deficiência».
Apesar de a legislação obrigar os edifícios de acesso ao público a terem acessos para pessoas em cadeiras de rodas, há tribunais, isto é, instituições que existem precisamente para fazer cumprir a lei, que não a cumprem.
Sinceramente, esta notícia não me surpreende. Nem é verdadeiramente uma notícia, no sentido em que misérias destas são o pão nosso de cada dia. E, se não se resolveram durante os anos dourados d'el-rei D. Betão, bem poderemos esperar sentados pela sua resolução, agora que estamos de novo reduzidos à nossa condição ancestral de pelintras, sem dinheiro nem crédito.
Mas houve nesta «velhícia» uma frase que me fez uns certos fornicoques: «cidadãos portadores de deficiência».
Fui à minha velhinha enciclopédia procurar o significado da palavra deficiente. E lá estava: «Em que há deficiência».
Pensei com os meus botões: «Coitada, 'tá velhinha, a Língua evoluiu e ela não acompanhou. Era expectável».
E recorri aos tira-teimas, sempre actualizados, Infopedia e Priberam, ambos online. Mau!, exactamente a mesma coisa.
Conclusão, a palavra «deficientes» poderia (e deveria) substituir a frase «cidadãos portadores de deficiência».
Decididamente, a raça humana é cheia de contradições. Não usa palavras como «deficiente» (cidadão portador de deficiência), «preto» (negro, indivíduo de cor, afro-qualquer coisa), «cigano» (indivíduo de etnia cigana), «índio» (americano nativo), «velho» (idoso, sénior, veterano...), «branco» (caucasiano...) e por aí fora moscas, para não ofender as minorias (!), mas não se importa de as tratar a pontapé, discriminando-as naquilo que verdadeiramente importa, que são as suas condições de vida e a sua dignidade.
Querem outro exemplo de contradições difíceis de explicar?
Há cerca de três semanas, o mundo ficou chocado com o rapto, numa escola cristã da Nigéria, de 276 meninas entre os 12 e os 18 anos, por parte do grupo terrorista islâmico Boko Haram. Algumas conseguiram escapar, mas julga-se que há ainda mais de 220 presas. Abubakar Shekau, chefe do Boko Haram, disse num vídeo aos pais: "Eu raptei as vossas filhas e vou vendê-las no mercado em nome de Alá. As que não forem vendidas serão nossas escravas."
No dia do rapto, o Boko Haram pôs uma bomba que matou 75 pessoas – mas disso já ninguém se lembra...